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Tecnologia e pandemia: oportunidades e ameaças

O segundo semestre de 2020 iniciou com um grande desafio após um período de compreensão e adaptação sobre o que é e como se propaga o covid-19: a recomposição da economia mundial a partir de um processo inexorável de migração do trabalho para ambientes digitais. Questões que despontavam como fundamentais para o desenvolvimento económico antes da pandemia, como a inclusão feminina na economia e no mercado de trabalho – sobretudo na tecnologia – tornaram-se ainda mais urgentes. “A diversidade de género não é boa apenas para as mulheres; é bom para quem quer resultados”, afirmou Melinda Gates em seu recente lançamento, The Moment of Lift. Pesquisas recentes apontam imensos desafios em busca destes resultados e, neste meu primeiro artigo ao Digitalks, apresentarei algumas considerações sobre estes temas relacionadas à investigação doutoral inédita sobre mulheres em tecnologia no Brasil e em Portugal, a qual dedico-me há dois anos.

Segundo a pesquisa do Trust Radius, “The Impact of COVID-19 on Women in Tech”, mulheres em tecnologia têm 1,6 vezes mais probabilidade de serem demitidas ou licenciadas do que os homens; têm quase 1,5 vez mais probabilidade do que os homens de relatar que sentem uma carga maior de cuidados infantis devido ao COVID-19 e 45% delas acham que provavelmente trabalharão mais de 40 horas por semana durante a pandemia.

Divulgada também recentemente, a pesquisa “Diversity Matters”, da Mckinsey, revelou que as empresas com maior diversidade de género tinham 25% mais probabilidade de obter lucro acima da média em comparação com a concorrência. O relatório enfatizou a ideia de que diversidade não é igual a inclusão. Embora a representatividade seja importante, por si só não garante equidade. As empresas devem reavaliar suas culturas organizacionais e estabelecer políticas de monitoramento constantes.

Uma mulher em tecnologia é uma profissional, ou investigadora, que desenvolveu uma literacia informacional, ou seja, um conhecimento técnico incorporado por habilidades próprias, capazes de tê-la validado no mercado de trabalho no desenvolvimento de tarefas e projetos ligados à computação/informática. É um indivíduo incluído digitalmente o qual incorporou a tecnologia no cotidiano e na vida pessoal: lazer, estudo, esportes, tarefas cotidianas, por exemplo. Venceu desafios imensos em sua trajetória. Como sua evolução pode ser ameaçada em tempos de imensas oportunidades na transição para o trabalho online em tempos de covid?

Nos últimos dois anos tenho mapeado e acompanhado o desenvolvimento de mulheres em tecnologia no Brasil e em Portugal, assim como o ecossistema de grupos femininos tecnológicos brasileiros (mais de cem entidades existentes) e portugueses (cerca de vinte associações atuantes), como cientista, para a pesquisa doutoral. Apesar de reunirem características diversas em termos de contexto de surgimento e evolução, estes coletivos carregam alguns traços em comum. Um ponto de convergência recente foi observar o impacto da pandemia no calendário de atividades, muitas delas adiadas ou migradas para o ambiente digital.

A retração de investimentos na economia foi uma surpresa surgida de maneira bastante abrupta pelo elemento inesperado; contudo, para lidar com uma retração é necessário construir oportunidades de inovação e cultura colaborativas para as mulheres em tecnologia. Reforçar e atualizar valores em ações como:

1 – Atuação de maneira mais presente na ampliação de políticas e direitos femininos em tecnologia e na economia doméstica.
2 – A colaboração entre grupos, sem concorrência, pode fortalecer a concretização de oportunidades profissionais.
3 – Neste novo mundo a cocriação é uma realidade e uma oportunidade de desenhar projetos e conhecimentos alinhados a inéditas demandas de interação na migração digital.
4 – Convocar os homens em ambiente de trabalho, parentes e amigos para uma conscientização e ação coletivas em prol da inclusão feminina em tecnologia.
5 – Advogar pela transparência de dados, investimentos em inovação científica e na diversidade de lideranças em tecnologia.

Este debate, neste espaço, está apenas começando. Abordar o desenvolvimento de cada uma destas propostas é algo que será desdobrado nas próximas colaborações no Digitalks. Deixo a sugestão para pensarmos juntos – cocriarmos – soluções nas oportunidades deste cenário repleto de desafios para a atual e futuras gerações a partir destes tópicos e de outros que sentir vontade para colaborar. A tecnologia é para todos.

Renata Frade é Doutoranda na Universidade de Aveiro, com tese inédita e inovadora sobre feminismo tecnológico em Portugal e no Brasil. Pesquisadora, consultora e professora de transmedia desde 2008 (com especialização no M.I.T). Estudou Novas Mídias na Stanford Graduate School of Business. Palestrante, professora e produtora de conteúdos sobre tecnologia desde 2015 (keynote speaker em simpósio internacional da Gartner, Girls in Tech Brasil, ThoughtWorks, professora da Universidade Anhembi Morumbi etc). Estudante de storytelling e empreendedorismo no Nasdaq Entrepreneurial Center (San Francisco). Empreendedora tecnológica por 10 anos como co-fundadora da Punch!. Consultora e pesquisadora de etnografia digital e design de interação (UX) desde 2019. Produtora de conteúdo e desenvolvedora de campanhas e ações em múltiplas plataformas (Web Summit 2018 e 2019 para Mobile Time, Sanofi, Actelion, Fresenius etc.).

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